domingo, 23 de setembro de 2012

Desabafo nº2

Vinte e cinco anos dedicados à Educação Especial. Comecei ao mesmo tempo que encerravam as últimas classes especiais. Tenho uma sensação de deja vu ao assistir à proliferação de unidades especiais, apesar de aceitar que constituem uma resposta adequada para alguns alunos. Pelo caminho, Salamanca e o boom da educação inclusiva. A ideia de mudar a escola para responder a todos os alunos que resisto a abandonar está a tornar-se cada dia mais difícil de colocar em prática, porque há um limite na capacidade de remar contra a maré.
A introdução forçada de instrumentos de trabalho cuja eficácia está para se provar e que resultam em processos morosos desenvolvidos por equipas multidisciplinares inexistentes, juntamente com a redução significativa do número de docentes de educação especial, tornou extremamente difícil um trabalho que já de si não tem visibilidade que corresponda à sua importância e ao investimento diário, num sistema que progressivamente valoriza mais os resultados do que o processo, que fala em diferenciação pedagógica mas exige as mesmas metas e vai reduzindo as possibilidades de alunos diferentes mostrarem o que sabem de forma diferente e com recurso a apoio acrescido.
Apesar de todas as dificuldades, provavelmente aquilo que me causa maior mal-estar é assistir na minha escola a uma grande quantidade de alunos em grandes dificuldades, que mostrando embora um nível de funcionalidade extremamente limitado e comprometimento grave da sua aprendizagem, não são considerados elegíveis para educação especial, mesmo após terem sido implementadas todas as medidas ao alcance dos seus professores. Foi a estes que falhámos.
Ana Godinho

sábado, 7 de julho de 2012

Desabafo nº1

Num dia em que me assaltou o desespero das condições em que trabalhamos em algumas escolas, veio-me à memória, não uma frase batida, mas um texto que li há muitos anos e que descreve bastante bem a situação. Poucos fariam o que nós fazemos, nas condições em que o fazemos...

Desconheço o autor, mas rezava assim:

We, the willing, led by the unknowing, are doing the impossible for the ungreatfull. We've done so much, for so long, with so little, that we are now able to do anything with nothing.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O homem dos números que descobriu como contar histórias

A nossa escola recebeu a visita de Pedro Seromenho, autor e ilustrador de contos infantis. Ouvir este contador de histórias, fez-me pensar que alguns de nós nascemos de fato com dons especiais. A sua enorme capacidade de comunicar com as crianças, ao mesmo tempo que fazia nascer uma ilustração a partir das suas intervenções, foi uma experiência extraordinária. Sobretudo porque o faz de modo tão natural, como se o marcador fosse o prolongamento natural da sua mente sonhadora. Aqui fica a ilustração do Pedro.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A ZEBRA PREOCUPADA

Era uma vez uma zebra riscada que vivia lá na savana. Como todas as zebras ela também tinha riscas pretas e riscas brancas como um belo pijama.
Mas esta zebra andava muito preocupada. Ela não sabia se era preta com riscas brancas ou branca com riscas pretas. Encontrava uma leoa com as suas crias e ouvia:
- Olha mãe! Uma zebra branca com riscas pretas!
Passava por duas girafas que conversavam e ouvia-as dizer:
- Vai ali uma zebra preta com riscas brancas.
Ora isto de não sabermos de que cor somos é uma grande maçada! A zebra olhava-se na água do rio e nas poças de água da chuva para observar o seu reflexo, mas mesmo assim não chegava a nenhuma conclusão.
Até que num dia de verão, quando passeava pela savana, a zebra viu uma girafa muito estranha.
Como todas as outras girafas que viviam por lá, esta também era amarela e castanha. Mas esta girafa era diferente: era castanha com pintas amarelas. A zebra aproximou-se e decidiu falar-lhe:
- Ó girafa, tu és esquisita! Estás pintada ao contrário! Não ficas triste por não seres como as outras girafas, amarela com pintas castanhas?
- Eu não! – disse a girafa. - Sou amarela e castanha como as outras. Sabes, sou como o negativo das fotografias. Quando olhamos para ele parece ao contrário, mas depois na fotografia fica tudo bem…
Depois de ouvir a girafa, a zebra continuou o seu passeio, mas não lhe saia da cabeça a conversa que tinha tido com ela. Se a girafa não se preocupava por ser pintada ao contrário das outras, porque havia ela de andar assim triste? Ela ao menos era igual às outras zebras…
Então levantou bem a cabeça e passou a trotar pelos hipopótamos que tomavam banho no rio. Quando ia a passar por eles, ouviu comentar:
- Vai ali uma bela zebra riscada!

Ana Godinho

O PALHAÇO TRAPALHÃO

Olha o palhaço trapalhão!
Volta e meia cai no chão.
O cabelo é de pano
E os sapatos são do mano.
Tem bolinhas no casaco
E nas meias um buraco.
O chapéu é amarelo
E parece um cogumelo.
A cara é toda pintada
E faz rir a pequenada.

Ana Godinho

QUE FARTURA!

(Para aprender os sons pr, tr, cr, gr, fr, vr)

No dia três de Dezembro o padrinho do Pedro fazia anos. A família estava preocupada. Que prenda é que iriam dar-lhe?
            - Um bolo com creme! – Dizia a mãe.
            - Um livro! – Dizia o tio Rodrigo.
            - Sapatos de pele de crocodilo! – Dizia a prima Celina.
            - Um casaco preto! – Dizia o avô João.
            E não conseguiam chegar a uma conclusão que agradasse a todos, com tantas sugestões. Ficou então decidido que cada um lhe daria a prenda que muito bem entendesse.
            No dia dos anos do padrinho, a festa foi muito bonita. A mãe fez um grande bolo de chocolate, croquetes de camarão, sumo de laranja e queques de baunilha. A tia Engrácia levou um belo presunto e a prima Celina, três pratos de queijadas com creme de manteiga.
            Durante a festa, todos foram dar a prenda ao padrinho. Ele começou a abrir as prendas. A primeira foi a do tio Rodrigo.
            - Olha! Uma gravata às riscas! – disse o padrinho.
            Depois abriu a prenda do avô João.
            - Uma gravata às bolinhas!
            Depois foi a vez da prenda da prima Celina.
            - Uma gravata castanha!
            Coitado do padrinho do Pedro! Recebeu seis gravatas no dia dos seus anos!

Ana Godinho

O PIOLHO ZAROLHO

O piolho Zarolho andava de cabeça perdida! Quando tinha acabado de se instalar na cabeça do Zé, um rapaz de cabelo encaracolado que andava sempre de boné, eis que o rapaz começa a coçar na cabeça desesperadamente, em qualquer lugar e a qualquer hora.
Com o passar dos dias, o Zé começou a ficar irrequieto, não estava atento na sala de aula e até mesmo quando fazia os trabalhos de casa, a sua mão esquerda continuava a coçar na cabeça sem parar. Além disso, andava diferente. Mais pálido, a pele sem brilho e o olhar triste, o Zé nem tinha vontade de sair com o skate para o parque onde se encontrava com os amigos.
O piolho Zarolho começou a ficar deveras preocupado. Tinha encontrado a casa ideal: o boné protegia-o do frio e do sol, os caracóis do Zé faziam-lhe uma cama bem fofinha e finalmente estava decidido a ficar por ali. Mas com o comportamento do Zé, era uma questão de tempo até as coisas se complicarem.
Meu dito meu feito! Os pais que já andavam desconfiados decidiram investigar porque é que o filho coçava tanto na cabeça e andava tão indisposto. Ora, o piolho Zarolho tinha acabado de fazer a sua refeição da tarde quando ouviu um som familiar. Era o som do pente de dentes finos a deslizar pelo cabelo do Zé, arrastando tudo o que apanhava à sua frente: areia da praia, resultado de uma má lavagem do cabelo, sementes de uma árvore lá da escola, debaixo da qual o Zé tinha descansado no intervalo das aulas e… o piolho Zarolho só teve tempo de dar um salto enorme, senão tinha sido apanhado pelo pente e a esta hora já estaria a ser esgotado no lavatório da casa de banho.
Aliviado por ter escapado à investida do pente de dentes finos, o piolho Zarolho respirou fundo e ficou muito quieto durante algum tempo, não fosse começar outra vez o Zé a coçar na cabeça, levantando suspeitas sobre o inquilino. Mas como qualquer piolho, o piolho Zarolho não era capaz de ficar sossegado por muito tempo e logo começou a passear de novo pela cabeça do infeliz rapaz.
Quando chegou a hora do banho, como de costume, agarrou-se muito bem aos caracóis do Zé, pois sabia que se fizesse isso não seria levado pela água do chuveiro. O que ele não contava era com a visita que a mãe tinha feito à farmácia. O farmacêutico, especialista nestas coisas de aconselhar as mães, recomendou-lhe uma solução para o problema do Zé. E de nada valeu ao piolho Zarolho agarrar-se aos caracóis, porque o champô que vinha misturado com a água era daqueles que põem qualquer piolho a fugir!
Lá foi o piolho Zarolho pelo ralo abaixo, com tal velocidade que nunca mais ninguém o viu.
Quanto ao Zé… Bem, a esta hora deve estar no parque, porque mal se viu livre do piolho Zarolho, agarrou no skate e saiu à procura dos amigos…

Ana Godinho

A ESCOVA NOVA E A PASTA BASTA!

Na prateleira da casa de banho lá estavam, lado a lado, a escova Nova e a pasta Basta! A escova Nova tinha-a comprado a mãe, com bonecos e tudo, para ver se o Tomás se lembrava de lavar os dentes depois das refeições e antes de ir para a cama. Mas, sobretudo na hora de dormir, o Tomás tinha sempre tanto sono que lhe faltava a vontade e lá se deitava com todos aqueles restos de comida do jantar presos nos seus dentinhos de leite. Quando, de vez em quando, se decidia a lavar os dentes, punha tanta pasta em cima da escova Nova que a mãe tinha de dizer sempre:
- Basta! Não é preciso tanto pasta!
Ainda por cima, como todos os meninos, o Tomás gostava muito de comer doces, coisa que, todos sabemos, não faz nada bem à saúde e especialmente aos dentes! O que o Tomás não sabia era que à noite, enquanto ele dormia, apareciam uns monstrinhos que adoravam dentes cheios de comida, quanto mais doce melhor. Tinham mesmo uma predileção por gomas e caramelos… Chamavam-se Cáries e se ele os pudesse ver teria ficado muito assustado. Eram mesmo feios e cheiravam tão mal que os dentes até se encolhiam todos quando os viam aparecer!
Um dia, estava o Tomás a tomar o pequeno-almoço logo de manhãzinha, quando de repente parou de comer e levou a mão à bochecha esquerda, com um ar muito infeliz:
- Dói aqui!
A mãe, preocupada, foi ao pé dele:
- Vamos, abre a boca e deixa-me ver o que se passa.
O Tomás abriu a boca com dificuldade e a mãe olhou lá para dentro.
- Céus! Hoje não vais à escola. Vamos já ao dentista! - É que a mãe reconhecia muito bem os monstrinhos dos dentes e percebeu que eles tinham atacado o Tomás.
O dentista tratou com tanto cuidado o dente doente que o Tomás quase não sentiu nada. Depois, sentou-se ao pé dele e explicou-lhe muito bem tudo o que sabia sobre as Cáries e a forma de impedir que elas atacassem os nossos dentes.
Ao sair do dentista, o Tomás já tinha decidido o que ia fazer daquele dia em diante. Por causa da sua preguiça, tinha faltado à escola e não tinha podido brincar com os amigos, já para não falar da dor de dentes horrível que tinha tido!
Agora, todos os dias depois das refeições e antes de ir para a cama, põe a escova Nova a trabalhar tanto que ela já não está tão nova como isso. Mas como gosta muito do sabor a morango da pasta, a mãe tem de repetir todas as vezes:
- Basta! Não é preciso tanta pasta!

Ana Godinho